sábado, 21 de fevereiro de 2009

BUROCRACIA DOIDA - José Alberto Braga (*)

Antigo emigrante português, sou brasileiro de carteirinha desde 1972, a partir do Estatuto de Igualdade de Direitos Políticos e Civis entre Portugal e o Brasil.

Quis o fado, ou melhor o samba, que há cerca de um ano eu tivesse os documentos furtados no Largo do Machado. Fui duplamente punido, pelo roubo e pelas autoridades 'competentes', que se recusam a me fornecer outra carteira de identidade. Para obtê-la exigiram-me o "Diário Oficial" que me oficializou brasileiro. Caso contrário, nada feito. Não tenho mais esse Diário Oficial e ninguém o encontrou nos arquivos da Imprensa Nacional.
Tenho filha e mulher brasileiras, colaborei com o embaixador José Aparecido de Oliveira na criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, fui fundador da Casa do Brasil em Lisboa, onde também criei o Guia Brasil. A pedido do próprio José Aparecido, cheguei a representar o presidente Itamar Franco numa cerimónia oficial. Ou seja, creio que tenho créditos como brasileiro.

No Rio de Janeiro, entre outros, trabalhei no Jornal do Commercio, no Jornal do Brasil, no Pasquim, e andei fugido da polícia política, ao tempo da ditadura (atenção, dispenso o bolsa ditadura).
Tenho título de eleitor brasileiro há mais de três décadas, CPF, e cópia autenticada da carteira surrupiada. Nada disso sensibiliza as autoridades. Sem o D.O. que ninguém encontra, minha vida virou pó, coisa abstrata. E é assim: enquanto cidadão brasileiro, caso não vote serei multado. Mas a carteira de identidade, essa, teimam em não me conferir.

Outra parte dessa mixórdia burocrática: há um ano procuro averbar a escritura de um apartamento. Justiça e cartórios pediram-me um sem fim de papeis, depois pediram-me outros mais, numa clara intenção de engordar a conta dos cartórios. Agora, querem a certidão de nascimento, já que a de casamento e outros tantos documentos não confirmam minha existência. Sou apenas um exemplo. Brasília, ministério da Justiça e OAB sabem que isso acontece a milhares de brasileiros, mas silenciam, permitindo uma burocracia que faz "o Processo" de Kafka parecer história infantil.
Quantas pessoas neste país continuam ao capricho de juízes e cartórios, sem que o ministro da Justiça e a OAB se dignem lutar contra essa balbúrdia documental? Passar horas em cartórios, pagar altas custas judiciais supérfluas também não ferem direitos humanos?

Sem emitir qualquer juízo sobre a questão Cesare Battisti, pois já existe por aí número excessivo de campeões da democracia, lembro que se estivesse na condição desse italiano, o ministro Genro já teria resolvido minha situação documental, logo anunciada ao vivo na TV, de olho nos 30 segundos de fama que tanto persegue. Confesso que o meu gosto pela ironia não vai tão longe.
(*) José Alberto Braga (na foto) , jornalista e escritor, possui as duas cidadanias,
portuguesa e brasileira.
Este meu bom amigo publicou este desabafo no prestigiado O GLOBO,
no passado dia 16 de Fevereiro.

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